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Quando os moradores da Rua General Titan descobrem que a lei garante o direito de permanecer, a luta ganha novo significado

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Para quem descobriu há pouco tempo o que significa Zona Especial de Interesse Social (Zeis), André Luis, 48, hoje explica com firmeza quando alguém pergunta sobre o assunto.  “Agora tô sabendo. Nós temos direito à urbanização e direito à moradia digna”, afirma. O termo, que até o começo de 2019 era desconhecido para a maior parte dos moradores da Rua General Titan, agora é visto facilmente nas paredes das casas como um lembrete diário do direito de permanecer,  marca de quem sabe pelo que lutar. 

 

As Zeis são instrumentos da política urbana estabelecidos, primeiramente, na Lei Federal do Estatuto da Cidade (n.º 10.257), em 2001. Pelo Estatuto, essas áreas são prioridade para garantir moradia e melhorias urbanas, além de promover regularização fundiária, ou seja, dar o papel da casa para quem não tem. André reside no Serviluz desde que nasceu e foi numa das primeiras reuniões do ano realizada pela Associação dos Moradores do Titanzinho (AMT) que ele se descobriu como morador de uma Zeis. 

 

A consciência por parte dos moradores sobre a existência da Zeis do Cais do Porto, onde se localiza a Rua General Titan (Amâncio Filomeno), deu um novo fôlego à mobilização contra as remoções previstas no projeto Aldeia da Praia. Isso porque, sendo Zeis, a prioridade para essa área é que ela seja alvo de melhorias e de regularização fundiária que garantam a permanência e a melhor qualidade de vida para as pessoas que vivem nela. “A gente tá se fortalecendo cada vez mais. O povo daqui, eles não sabiam de nada, inclusive eu. Agora eu tenho arma pra me defender”, reforça André.

Pedro Fernandes, 38, um dos coordenadores dos encontros realizados semanalmente pela Associação, comenta sobre a necessidade de esclarecer as pessoas sobre os direitos delas. “É muito sensacional, principalmente quando as pessoas notam que aquilo dali é importante para proteger elas. É aí que a gente vê: pra causar uma revolta popular, informe as pessoas. Só isso”, coloca. 

Apesar de estarem em uma mesma comunidade simbólica, que é o Serviluz, as Zeis foram delimitadas separadamente. Bruno Spote, 30, morador da Zeis do Serviluz, acredita que essa divisão enfraquece a mobilização entre os moradores. “A gente já entendia isso como uma forma de segregar, já dividiu. É uma comunidade que é grande, mas acredito que dava para abranger em uma Zeis só. Não necessariamente precisaria dividir”, pontua. 

 

Juliana Sena, da Diretoria de Articulação e de Integração de Políticas (DIART) do Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor), considera que a demarcação das Zeis realizada no Plano Diretor há dez anos poderá ser repensada na revisão do documento, que precisa ocorrer a cada década.  “Essa delimitação, que aconteceu em 2009, levou em conta várias características dos assentamentos mapeados nesses locais. Então, se essa é uma demanda para que se unifiquem [as Zeis Cais do Porto e Serviluz], ela tem que ser reformulada agora no novo Plano Diretor porque o que foi delimitado em 2009 teve seus critérios”, coloca.

 

Em Fortaleza, as Zeis só foram demarcadas em 2009, com a lei complementar n°062 do Plano Diretor Participativo (PDPFor). Na comunidade do Serviluz existem duas Zeis, denominadas Zeis Cais do Porto e Zeis Serviluz. A Zeis Serviluz foi escolhida como Zeis prioritária, ou seja, está passando pelo processo de regulamentação. Enquanto isso, a Zeis Cais do Porto, é alvo do Projeto Aldeia da Praia, que dentre outras medidas, inclui uma proposta de remoção de 219 famílias da região do Titanzinho em razão do projeto de urbanização.

 

Áreas demarcadas como Zeis existentes na comunidade considerada como Serviluz. Fonte: Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFor), 2009.

ZEIS EM FORTALEZA

A demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social é considerada uma das maiores vitórias dos movimentos sociais no Plano Diretor

Em 2009, o Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFor) definiu três tipos de Zeis, as de Ocupação, as de Conjunto e as de Vazio. Cada zona especial tem um propósito. Ao todo, são 135 Zeis, sendo 45 Zeis de Ocupação, 56 Zeis de Conjuntos Habitacionais e 34 Zeis de Vazio. Das 45 zonas especiais de ocupação, dez foram escolhidas como prioritárias para começarem a passar pelo processo de regulamentação, entre elas está a Zeis Serviluz, uma das existentes no território do bairro simbólico. 

 

 

Segundo dados atualizados do Plano de Habitação de Interesse Social (PLHIS) de 2016, a capital cearense possui 856 assentamentos precários. Essas áreas, de acordo com a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são compostas por domicílios inseridos em terrenos públicos ou privados e surgem de uma ocupação desordenada e densa. A carência em relação a serviços públicos essenciais, como saneamento e asfalto, também é outra característica dos assentamentos.

Todos esses assentamentos existentes em Fortaleza se encaixam nos critérios de Zeis, mas apenas uma parcela de 15,7% (135) foi considerada dessa forma no Plano Diretor. Apesar de julgar a escolha das dez zonas prioritárias como acertada, entre as 45 Zeis de Ocupação,  Valéria Pinheiro, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará (Lehab/UFC), considera o número insuficiente. “A gente tem uma crítica em cima disso. Nós temos centenas de favelas, só 45 foram escolhidas como prioritárias no Plano Diretor, foram escolhidas como Zeis, e destas 45 a Prefeitura não vai regulamentar as 45, ela escolheu só dez”, ressalta. 

A diretora de Articulação e de Integração de Políticas do Iplanfor, Juliana Sena, esclarece que essa escolha priorizou as comunidades que já estavam politicamente mais organizadas e que eram alvo maior do interesse imobiliário. “Você tem toda uma questão orçamentária que envolve também porque é a elaboração a execução desses planos. Então, no momento seguinte a essas dez, certamente todas as outras Zeis também serão regulamentadas”, completa. 

 

SAIBA MAIS | Nos 856 assentamentos de Fortaleza residem aproximadamente 271.535 famílias, correspondendo a 1.084.891 pessoas. Os assentamentos precários ocupam apenas 12% do território da cidade, mas neles reside mais de 40% da população. Fonte: Plano de Habitação de Interesse Social (PLHIS, 2016)

DIREITOS | Audiência

ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL

Classificação dos três tipos distintos de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)

1

2

3

ZEIS de Ocupação  

Assentamentos ocupados principalmente por população de baixa renda com baixo acesso a infraestrutura e a serviços públicos 

Destinadas à regularização fundiária, urbanística e ambiental

ZEIS de Conjunto Habitacional
ZEIS de Vazio

Loteamentos clandestinos ou irregulares, e conjuntos habitacionais ocupados por população de baixa renda

Terrenos vazios ou subutilizados, destinados ao uso para fins de interesse social, a partir da elaboração de plano específico

Destinadas à regularização fundiária e urbanística

Destinadas à construção de habitação de interesse social

Fonte: Cartilha “Plano Integrado de Regularização Fundiária”. Universidade de Fortaleza (Unifor), 2019.

Em audiência pública realizada em maio para apresentação do projeto Aldeia da Praia, uma das demandas mais urgentes colocada pelos moradores do Titanzinho foi para que a Zeis Cais do Porto se tornasse uma das zonas prioritárias para a regulamentação. Isso garantiria o direito da comunidade deliberar, através do Conselho Gestor, sobre a implantação do projeto. De acordo com a DIART do Iplanfor, os encaminhamentos para as providências cabíveis já foram tomados para que isso ocorra.

 

 

ZEIS DE VAZIO

As Zeis de Vazio, que poderiam estar sendo usadas para a construção de moradia, já possuem documentos específicos elaborados pelo Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário das Zeis, instituído pela Prefeitura em 2013, para a sua regulamentação. Porém, Juliana Sena explica que a prioridade agora é a regularização das Zeis prioritárias. “A gente precisa trabalhar com a Zeis do tipo III também envolvendo os outros órgãos da Prefeitura, então isso é uma prioridade, mas no momento nós estamos focados nessa regulamentação inicial dessas dez áreas que foram priorizadas pelas próprias comunidades”, explica.

SAIBA MAIS | Em Fortaleza, cerca de 120 mil famílias não possuem uma casa ou vivem em condições precárias. Essa realidade é conhecida como déficit habitacional. (Habitafor, 2019). Segundo a Prefeitura, cerca de 19 mil moradias foram entregues desde 2013 através do programa Minha Casa Minha Vida. Entenda melhor no programa “Se Essa Cidade Fosse Minha”

ZEIS PRIORITÁRIAS

Além da Zeis do Serviluz, as zonas especiais dos bairros Dionísio Torres/Vila Vicentina, Pici, Lagamar, Praia do Futuro, Bom Jardim, Pirambu, Poço da Draga, Moura Brasil e Mucuripe são consideradas prioritárias. Para ser efetivada, a Zeis precisa de alguns instrumentos específicos:

1

2

Plano Integrado de Regularização Fundiária (Pirf)
Eleição do Conselho Gestor da Zeis

Composto por 14 membros titulares (6 moradores voluntários da própria Zeis, uma entidade civil já atuante na Zeis, 6 representantes da Prefeitura e um representante da Câmara Municipal, indicado pelo prefeito. Todos os membros do Conselho precisaram passar por uma capacitação obrigatória para  serem empossados. Ao vereador, a capacitação é facultativa. O mandato dos conselheiros tem a duração de dois anos, admitindo-se reeleições ou reconduções por igual período. O mandato não possui nenhum tipo de remuneração.

É elaborado por uma equipe técnica em conjunto com a comunidade, através de um convênio entre a Prefeitura e as universidades. Possui oito planos, que devem passar pela avaliação e aprovação do Conselho Gestor das Zeis. O Pirf da Zeis do Serviluz é responsabilidade da Universidade de Fortaleza (Unifor).

ENTENDA MELHOR | VALÉRIA PINHEIRO (LEHAB/UFC) SOBRE CONSELHO GESTOR E PIRF

PLANEJANDO O SERVILUZ QUE QUEREMOS

A voz de quem mora no Serviluz deve ser ouvida em todas as etapas de construção do seu plano de regularização

“É importante pra ter esse diagnóstico o mais completo possível. Pra gente poder fazer um plano que se adeque às necessidades da comunidade”. Quem comenta sobre uma das etapas iniciais do Plano Integrado de Regularização Fundiária (Pirf) é Bruno Spote, artista gráfico e um dos moradores que faz parte do Conselho Gestor da Zeis do Serviluz. O Pirf é a etapa de planejamento para a regularização fundiária e urbanística da Zeis, composto por oito planos que abordam diferentes temas.

 

O grande diferencial das Zeis é permitir que os moradores participem do planejamento de onde moram através do Pirf. Na elaboração desse Plano, o Conselho Gestor é fundamental porque atua como representação da comunidade junto ao Poder Público. Todo projeto de intervenção que acontece em uma Zeis precisa passar pela aprovação do Conselho e é ele quem acompanha todas as etapas do Pirf.

A Universidade de Fortaleza (Unifor) está responsável pelo Pirf da Zeis do Serviluz. Além de precisar da participação dos moradores em todas etapas do Pirf, a equipe técnica da universidade depende da colaboração direta de quem mora no Serviluz para a coleta de informações e documentações. Nesse sentido, o Projeto Aldeia da Praia, que propõe remoções para a Zeis do Cais do Porto, tem dificultado o processo participativo no Pirf. 

 

A professora Joísa Barroso, da Coordenação Executiva da equipe técnica da Unifor, critica a falta de esclarecimento da Prefeitura em relação ao projeto. “No início do Pirf, o Conselho Gestor da Zeis do Serviluz não queria que nada acontecesse de mobilização social antes que o Aldeia da Praia fosse esclarecido. Moradores questionaram se o Pirf estava ou não atrelado à marcação das casas”, coloca.

A regularização integrada das Zeis acontece porque cada temática trabalhada pelo Pirf se complementa com o objetivo de alcançar um resultado mais eficaz. As áreas temáticas abordadas incluem a jurídica, que trabalha a questão legal da moradia, a área urbanística, mais ligada ao cotidiano dos moradores - com tópicos como infraestrutura e rede de água e esgoto -, e a área ambiental que dá conta de assuntos como preservação, uso consciente e requalificação de áreas naturais degradadas. Na área socioeconômica, aspectos sociais ligados à renda familiar e cultura locais é que são levados em consideração.

SAIBA MAIS | Veja quem faz parte do Conselho Gestor da ZEIS Serviluz aqui. Confira também quem integra os Conselhos Gestores das outras nove Zeis prioritárias

ENTENDA MELHOR | JOÍSA BARROSO (UNIFOR) SOBRE PARTICIPAÇÃO

ETAPAS DO PLANO INTEGRADO DE

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA (PIRF)

1. ELABORAÇÃO DO

PLANO DE TRABALHO

O Conselho Gestor das Zeis e a equipe técnica da universidade, junto com o Iplanfor, vão decidir as metas para alcançar, os prazos e também as estratégias de ação e trabalho. Além disso, é nessa primeira etapa que acontece a divulgação do processo de elaboração do Pirf e mobilização entre os moradores para a etapa seguinte.

2. DIAGNÓSTICO

São levantados dados sobre a comunidade e seu entorno na intenção de identificar, localizar e quantificar as informações que estão relacionadas àquele espaço, sejam essas positivas ou negativas. O diagnóstico é a base para orientar as decisões tomadas nas próximas etapas do Pirf.

A estimativa da Unifor é que cerca de 10.500 habitantes da Zeis do Serviluz sejam beneficiados no processo de regularização. Após o fechamento de todos os planos e sua entrega para implementação, deve ser iniciado um processo judicial que envolve outros agentes do poder público como o Ministério Público do Ceará (MPCE), a Defensoria Pública e cartório. O Pirf dispõe as diretrizes que orientam a forma que essa regularização deve acontecer, estabelecendo prazos e membros responsáveis. 
 

INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO


No caso da Zeis do Serviluz, existe parte do terreno pertencente à União. Assim, para a regularização dessa área o instrumento previsto pelo Estatuto da Cidade que será  utilizado é a Concessão de Uso Especial Para Moradia (Cuem), que pode ser aplicada no caso de pessoas que moram em terrenos de até 250 m², por cinco anos ou mais, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família.

As terras que são propriedade da União estão ligadas à Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SPU). De acordo com a titular da Secretaria do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor), Olinda Marques, para facilitar a regularização fundiária do Serviluz em benefício de cerca 1.780 famílias, prevista pelo projeto Aldeia da Praia, está ocorrendo um diálogo entre as duas instituições. “Nós estamos em negociação com o Patrimônio da União para a cessão dessas famílias passar para a Prefeitura e a Prefeitura titularizar”, esclarece a secretária. 

 

Pelo convênio assinado com entre a Prefeitura e a Unifor, todos os produtos resultantes de todas as etapas do Pirf deveriam estar sendo fechados até agosto de 2019. Segundo a universidade, a explicação para o prazo seria por conta do fechamento do orçamento do Município. Isto é, seria o tempo razoável para garantir recursos para a obra. No começo de julho, a Diretoria de Articulação e Integração de Políticas (Diart) do Iplanfor, garantiu que todos os produtos do Pirf estavam em conclusão.

 

Valéria Pinheiro, que integra o Conselho Gestor do Serviluz através da Frente de Luta por Moradia (FLM) coloca que, dada a complexidade do processo de planejamento e o atraso no fechamento dos contratos, esse prazo deveria ser maior. “[O recurso] precisa ser garantido, sem dúvidas. Então, que a Prefeitura faça uma estimativa de quanto é que seria para regularizar e urbanizar as Zeis. Porque ela faz isso em outros projetos. Faça sua estimativa e coloque esse valor”, propõe. 

 

 

ENTENDA MELHOR | JOÍSA BARROSO (UNIFOR) SOBRE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

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A REGULAMENTAÇÃO DAS ZEIS EM FORTALEZA

Entre a teoria, a prática e a luta: saiba os marcos da regulamentação das ZEIS em Fortaleza ao longo da história

2013

Prefeitura de Fortaleza, na gestão do prefeito Roberto Cláudio (PDT), institui o Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) através do Decreto Municipal n° 13.241. O objetivo do comitê era gerar um relatório para subsidiar o prefeito na tomada de decisão quanto à implementação das Zeis.

2009

2014

Plano Diretor de Fortaleza (PDPFOR) é publicado, demarcando as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) da cidade, que deveriam receber regulamentação fundiária e urbanística. O Plano traz também instrumentos importantes de gestão urbana democrática.

Em abril, começam efetivamente os trabalhos do Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). Além de representantes do Poder Público, participaram representantes de nove Zeis, do Laboratório de estudos da Habitação da UFC (Lehab), do Programa de Educação Tutorial/Arquitetura (ArqPET), do Centro de Assessoria Jurídica Universitária (CAJU) e também do Laboratório de Estudos da Cidade (LEC). O prazo estabelecido inicialmente para a elaboração do relatório era de 120 dias, considerado insuficiente pela complexidade do processo. Devido à pressão das entidades presentes, o prazo se estendeu até julho de 2015.

2016

2015

Constituída a Comissão de Acompanhamento da Regulamentação e Implantação das Zeis, sob a coordenação do Iplanfor, com a participação de representantes do Poder Público e das 10 Zeis prioritárias, com reconhecida atuação comunitária.

Acontece a cerimônia de entrega do relatório elaborado pelo Comitê, em outubro.

2018

Em maio, é publicado Decreto Municipal (n° 14.211) para a instituição dos Conselhos Gestores das Zeis. Para a eleição dos membros dos Conselhos Gestores das Zeis foram realizadas assembleias territoriais e entre agosto e setembro as comunidades votaram em seus representantes. Após audiência pública promovida pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) em outubro, os Conselhos Gestores das Zeis prioritárias foram empossados no mês seguinte. 
 

Na mesma ocasião, a Prefeitura assinou o termo de colaboração com a Universidade de Fortaleza (Unifor), com o valor de R$ 245.000,00, para a elaboração do Plano Integrado de Regularização Fundiária (Pirf) das Zeis do Serviluz, do Mucuripe e da Praia do Futuro, consideradas prioritárias. A promessa era de que as demais Zeis, em breve, teriam suas parcerias celebradas. 
 

Ainda em 2018, foi criado o Fórum de Conselhos Gestores de Zeis e dissolvida a Comissão. O Fórum deveria ser um espaço de participação popular de caráter deliberativo, reunindo todos os Conselhos Gestores de todas as Zeis para acompanhar o processo de regulamentação. O Fórum, porém, nunca foi efetivado. Segundo a Diart do Iplanfor, a implantação do Fórum das Zeis está prevista para breve, porém não há uma data definida.

2019

No Serviluz, a Unifor começa o processo de elaboração do Plano Integrado de Regularização Fundiária (Pirf). O processo também acontece nas outras duas Zeis prioritárias que estão sob responsabilidade da Unifor.  Segundo o Iplanfor, os contratos com as demais universidades estão sendo encaminhados. Até maio, as outras zonas prioritárias ainda não estavam discutindo seus Pirfs.
 

Fonte: Relatório do Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário das Zeis. Instituto de Planejamento de Fortaleza, Iplanfor (2015) e Diário Oficial do Município

“As coisas que diriam respeito ao atendimento do direito à cidade, à moradia popular, à garantia de terreno para morar, nada disso saiu do papel, como é o caso das Zeis, estamos até hoje brigando”, coloca Valéria Pinheiro, da Frente de Luta por Moradia (FLM), que reúne moradores de diversas Zeis e de outras entidades da luta por moradia e vem sendo um dos grupos ativos no movimento pela regulamentação das Zeis em Fortaleza.

 

A promotora do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), Giovana Melo, da 9ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, especializada em conflitos fundiários e defesa da habitação evidencia a trajetória árdua que tem marcado esse processo. “Cada etapa de regulamentação das Zeis é uma luta mesmo. O fato de você não ser removido não significa dizer que a luta parou. A luta de uma comunidade dessas significa: viver é lutar. Lutar diariamente para que o mínimo seja implementado”, diz. Giovana acompanha a regulamentação desde o seu início e atribui as conquistas adquiridas até agora à reivindicação das comunidades e movimentos sociais.

 

Valéria Pinheiro questiona que, enquanto instrumentos de inclusão urbana e social do Plano Diretor como a Zeis custam a ser efetivados, outros projetos da Prefeitura avançam rapidamente, como é o caso do Plano Fortaleza 2040, que estabelece metas de curto, médio e longo prazo para a cidade. “Quando a  Prefeitura era pra tá investindo em regulamentar o Plano Diretor, que é a lei municipal de ordenamento urbano, passou a priorizar o Fortaleza 2040”, declara.

 

 

SAIBA MAIS | Em 2014, o Iplanfor iniciou as atividades do Fortaleza 2040. Para a realização do Plano, a Prefeitura contratou a Fundação Cearense de Apoio a Pesquisa (FCPC/UFC) . O contrato envolve coordenar, supervisionar e executar, diretamente e/ou através de parcerias, as atividades relativas à elaboração do plano. O valor envolvido na contratação foi da ordem de R$ 10.572.205,92.107, segundo o Diário Oficial do Município de Fortaleza de 29 de janeiro de 2014.

O secretário executivo do gabinete da Prefeitura de Fortaleza, Pedro da Rocha Neto, considera que a complexidade da administração pública precisa ser levada em consideração, especialmente quando o assunto é a distribuição dos investimentos. “Eu tenho certeza que o Plano Diretor de 2009  foi pensado sim para ser implementado nesses dez anos, na forma que ele foi. Mas é muito difícil por conta das grandiosas obrigações que recaem sobre os ombros da gestão pública municipal e que às vezes não dá para fazer”, analisa. 

 

Sobre o Fortaleza 2040, Pedro Rocha acrescenta que foi um trabalho que produziu documentos importantes em termos de diagnóstico da cidade e que representou um grande avanço para a Capital sob a perspectiva do planejamento urbano. “Na administração pública, todo documento que é feito, tem uma razão de ser. O Fortaleza 2040 discutiu exaustivamente com a cidade”, pontua.


 

RECURSOS PARA AS ZEIS

 

A Constituição Federal de 1988 determina que o modelo de orçamento brasileiro deva ser composto pelo  Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Essas três peças orçamentárias devem ser pensadas pelo Município, pelo Estado e pela União.  

 

O PPA tem vigência de quatro anos, incluindo os três primeiros anos de uma gestão municipal e o primeiro ano da gestão seguinte, e estabelece as metas a médio prazo para a administração pública. Enquanto isso, a cada ano, a LDO determina as prioridades  e a LOA estima a receita e fixa a programação das despesas para o ano seguinte.

 

Esses instrumentos do orçamento municipal devem atender ao que o Plano Diretor específica como prioridade. Porém, foi apenas na LDO de 2015 que pela primeira vez no município de Fortaleza, desde a criação das Zeis pelo Plano Diretor em 2009, ocorre uma referência direta a essas zonas como prioridade. 

 

 

2015

LOA 2019 (nº 10.841) = R$ 4.670.000

2019

2018

2016

2017

LOA 2017 (nº 10.554) = R$ 1.404.000

2015

LOA 2018 (nº 10.660) = R$ 1.152.000

Total de custos previstos pela  LOA no período= R$ 7.976.000.00

 PREVISÕES NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA) PARA AS ZEIS (2015-2019)

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A REVISÃO DO PLANO DIRETOR
DE FORTALEZA E A ZEIS

O processo de revisão do documento que orienta o crescimento da cidade deve acontecer em 2019

O Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFor) de 2009, é o documento máximo de ordenamento da cidade. Ele orienta como a cidade deve crescer e estabelece alguns instrumentos de gestão participativa. É na lei do Plano Diretor que está a demarcação das Zeis e as orientações primárias para a sua efetivação. De acordo com o Estatuto da Cidade (lei n° 10.257), o Plano Diretor precisa ser revisado a cada dez anos. O Plano Diretor de Fortaleza completou uma década em março de 2019. Na revisão desse documento, o Estatuto da Cidade determina que haja uma ampla participação popular. 

 

 

 

Movimentos sociais, comunidades e representantes de entidades diversas se reúnem em plenárias desde o começo do ano na articulação do Campo Popular do Plano Diretor. A principal reivindicação do grupo é a de que a Prefeitura de Fortaleza convoque um Núcleo Gestor. Esse Núcleo funcionaria como instância importante de dentro do processo de revisão do Plano através da representação de membros do poder público e de diferentes setores da sociedade - universidades, ONGs, setor empresarial, entre outros. Esse seria o primeiro passo para a revisão do processo, de acordo com o guia de elaboração de planos diretores publicado pelo Ministério das Cidades, em 2004.

 

GARANTIAS

A Associação de Moradores do Titanzinho (AMT) tem marcado presença nas plenárias de articulação do Plano Diretor. Como uma das coordenadoras da AMT, Priscilla Sousa, 29, participou de uma das plenárias mais recentes do Campo Popular e acredita que a presença nas discussões sobre o Plano Diretor é indispensável para sua comunidade. “A Zeis tem tudo a ver. Garantir a Zeis dentro do Plano Diretor. Se não se zonear a cidade no Plano diretor, o que é Zeis e o que não é, a gente já perde grande parte de uma luta”, destaca ela. 

 

Joísa Barroso, professora da Unifor, acompanhou de perto o processo de revisão do Plano Diretor de 2009 através da ONG Cearah Periferia, e reafirma a importância de observar as Zeis na revisão do documento. “É fundamental a gente estar atento agora ao processo de revisão para manutenção e consolidação daquelas Zeis que já foram conquistadas e a criação ou não de novas Zeis. Isso tudo tem que ser objeto de diagnóstico e tem que vir na proposta do Plano”, coloca a professora. 

 

De acordo Pedro Rocha, secretário executivo de gabinete do prefeito e presidente da Comissão de Revisão do Plano Diretor, constituída no mês de maio, as Zeis serão uma das prioridades na revisão do Plano Diretor. “As garantias das Zeis estão dentro desse processo. Não podemos negar os direitos que eles têm. A cidade vai discutir olhando pra esse retrato das Zeis. A gente não pode retroagir, a gente tem que avançar”, assinala. 

 

PARTICIPAÇÃO POPULAR

 

O secretário esclarece que, inicialmente, a Comissão está discutindo questões administrativas relativas ao planejamento do processo participativo de revisão. “No momento certo, quando for iniciado o processo, certamente as entidades, todos que compõem a teia urbana vão estar inseridos no processo. Até porque não poderia deixar de sê-lo, porque isso estaria maculando a ideia do que é o Plano Diretor”, ressalta Pedro. 

 

Sobre a implantação do Núcleo Gestor, Pedro Rocha informa que essa questão ainda está sendo estudada pela Prefeitura. “O que vai representar essa cidade vai ser a discussão ampla e satisfatória, para daí conseguir construir um consenso pra cidade que nós vamos colocar no Plano Diretor. Não acredito que um núcleo, como instância de poder, vá dar ao Plano Diretor a legitimidade que ele necessita. Mas certamente, no momento oportuno, nós vamos sair com uma resposta. Se for identificada a necessidade de criar mais uma instância como essa, será feito”, afirma o secretário.

A advogada Mayara Justa, do Escritório de Direitos Frei Tito de Alencar (EFTA), que também integra a Frente de Luta por Moradia Digna (FLM), considera que o processo participativo não é efetivo sem o Núcleo Gestor,  já que é indispensável que Plano Diretor precisa contemplar diferentes opiniões dos setores sociais de forma direta.

 

“O Estatuto da Cidade traz isso de que a cidade tem que existir e ser gerida a partir de uma gestão participativa que contemple todos os grupos sociais. O grande prejuízo de não ter [o núcleo gestor], de não seguir esses trâmites e essas instâncias de participação é porque esvazia o caráter de participação do Plano Diretor e, por conseguinte, descumpre a lei”, coloca ela.

O secretário Pedro Rocha reforça que a Prefeitura deverá fazer um amplo processo participativo de revisão do Plano Diretor através de audiências públicas temáticas e territoriais. Além disso, a participação online é uma das alternativas que deve ser utilizada pela Prefeitura para implementar esse processo. Segundo ele, o cronograma de participação deve ser divulgado e a previsão é que o processo de participação seja iniciado entre o fim do primeiro semestre de 2019 e começo do próximo.

 

 

SAIBA MAIS | O Plano Diretor está previsto desde a Constituição Federal de 1988 mas foi regulamentado apenas com a promulgação do Estatuto da Cidade ( Lei 10.257/2001)

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