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No coração da Rua General Titan, lares feitos de memórias, ternuras e vivências

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Serviluz é um lugar que coleciona afetos. As ruas, becos e casas carregam marcas das muitas histórias que enchem o local de vida e que se entrelaçam na memória coletiva. A comunidade dança em sorrisos, aconchegos, cuidado e resistência, abraçando a todos que se aproximam no caminhar pela busca da permanência e de moradia digna. Os moradores estabelecem vínculos tão fortes com o espaço, com a vizinhança e com o mar que se tornam parte do Serviluz.


 

ROSIMEIRE E O CORREDOR DE MEMÓRIAS

 

Enquanto prepara o almoço do dia, Rosimeire Alves se refere de forma calorosa ao lugar que ela conhece como lar desde os 14 anos. “Eu gosto muito do meu lugar, gosto muito. ‘Ave Maria’, criei meus filhos tudo aqui. Eu adoro meu Serviluz”, declara.  Aos 55 anos, dona Rosimeire já passou por pelo menos três casas na Rua General Titan desde quando chegou ao bairro com a mãe e o padrasto, após indenização recebida pelo imóvel onde moravam no Mucuripe.

Na casa em que está agora, viu os três filhos crescerem, e hoje mora com o companheiro, Osias Ferreira, 73, pai da sua única filha, e a quem ela conheceu depois de separada do primeiro marido. Quando fala dos filhos, ela é só orgulho. “Todos os três são trabalhadores. Um é mergulhador e pega peixe do nosso tamanho”, conta entusiasmada. Da filha, que casou e foi morar na Bahia, ficou a saudade que ela procurar aquietar com as ligações diárias. “Ah! Mas é uma saudade tão grande”, se emociona. 

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Morar perto da família, aliás, é uma das melhores coisas que o Serviluz proporciona, segundo dona Rosimeire. Com a casa da irmã logo ali na frente, o irmão como vizinho do lado e os filhos morando todos próximos, ela não se imagina vivendo em nenhum outro lugar. “Tem as amizades, as pessoas. E eu, toda vida gostei de morar perto da minha família. Eu nunca gostei de morar longe”. As paredes da casa de dona Rosimeire são decoradas pelas fotografias dos pais, filhos e netos, como um corredor de memórias da própria história que ela exibe orgulhosa.

Depois de terminar o almoço, Rosimeire chama o marido para a cozinha e explica que “ele tem que comer no horário certo por causa do remédio” que utiliza por conta da diabetes. É com seu Osias ou Ozé, como é mais conhecido, que Rosimeire compartilha a vida há 31 anos.“Ele é tudo na minha vida”, fala sobre o companheiro que, tímido, sorri ali perto enquanto se prepara para almoçar o baião de dois feito por Rosimeire. 

Em geral, o restante do dia é de sossego para o casal. No entanto, a rotina mudou há alguns meses, quando Rosemeire decidiu conhecer a mobilização de luta por moradia desenvolvida no Serviluz. Às quinta-feiras, quando o relógio começa a marcar próximo das seis da noite, a dona de casa se arruma para sair para as reuniões na casa de um dos vizinhos. Desde que foi convidada por um amigo, Rosimeire tem acompanhado a articulação contra o projeto Aldeia da Praia. “Eu gostei que a gente não vai sair, mas vai ter a luta”, comenta sobre os últimos encaminhamentos do grupo.

As reuniões se tornaram um lugar de fortalecimento para Rosimeire, que não pensa em trocar a casa onde já acumulou tantas lembranças. “Como as pessoas falam na reunião, né? A gente se acostuma com o lugar que mora”, diz. Rosimeire lembra também que é do mar que vem o sustento de muitos dali. “Aqui a gente não passa fome. Vai na beira da praia, pega um peixe, pega um siri, pega uma lagostazinha, já faz um arrozinho. Tudo isso não é bom? Se a gente vai para outro canto, não vai ter nada disso”, afirma. Enxergando o Serviluz pelos olhos de Rosimeire, que carregam o verde do mar na cor, fica fácil entender porque ela não deixaria o lugar “de jeito nenhum”.
 

SEU CHICO, DONA MARIA E O MAR

As lembranças do que já foi o Serviluz ainda estão claras na memória de Francisco Aquino, o seu Chico, de 66 anos. Natural do Rio Grande do Norte, seu Chico chegou a Fortaleza em busca de trabalho e com a esposa Maria do Carmo, 83, foi morar no Serviluz quando o espaço ainda era um morro vazio e as ruas não possuíam calçamento. “Eu cheguei aqui em 1963, era só um vãozinho. Eu comprei a casa, ajeitei pra mim e ela [Maria], e até hoje nós estamos morando”, lembra o aposentado.

Seu Chico, hoje cuida com carinho da companheira que tem a saúde debilitada. Dona Maria do Carmo já enfrentou o câncer de mama, teve um das pernas amputadas em decorrência do diabetes e também lida com problemas de audição. Enquanto ela brinca com o pássaro de estimação do casal, o Tico, seu Chico ri ao lembrar da história dos dois. “Eu conheci ela num forró. Nós nos conhecemos, aí eu disse, 'Rapaz, eu não tenho nada, só tenho mesmo a minha vida. Se quiser se juntar, nós se junta’. Ela disse: ‘Tá bom’”.  

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O simpático casal reside em um dos muitos becos da Rua General Titan, acesso direto para a Praia do Titanzinho. É na calmaria da vida à beira-mar que os dois levam a rotina bem certa. “Fecho minha porta às quatro horas [da tarde] e me levanto três horas da manhã na maior tranquilidade. Faço um café pra ela, faço o leite”, comenta seu Chico. Por conta das dificuldades de Dona Maria para se locomover, o idoso faz as compras sozinho e leva a companheira para as consultas médicas na Santa Casa de Misericórdia, no Centro. Para ele, depois de todo esse tempo, o bairro mudou muito. “Eu ainda acho bom aqui. Eu adoro”, completa seu Chico.

 

Deixar a casa no Serviluz nunca esteve entre os planos de seu Chico e Dona Maria do Carmo até que a possibilidade surgiu após a realização de cadastros, pela Prefeitura, para o reassentamento dos moradores previsto no projeto Aldeia da Praia. “Houve reunião aqui para todo mundo. Fizeram umas perguntas simples. Vão tirar nós daqui porque vão fazer uma avenida”, conta ele.

 

Apesar de ter feito o cadastro para ir para o Residencial Alto da Paz, seu Chico confessa duvidar de que vai encontrar uma tranquilidade parecida com aquela que só o ruído das ondas do Titanzinho traz. “Aqui nós moramos tranquilo [sic] , calmo, a gente escuta só a ‘zuada’ do mar”, afirma. O casal ainda não sabe como será a nova rotina em outro bairro, se ocorrer a mudança,  mas as memórias do Serviluz certamente têm lugar cativo nas palavras sobre a história dos dois.

FILHOS DO FAROL

Símbolo cantado pela voz de artistas cearenses, o equipamento em estado de abandono mora nas lembranças mais antigas de moradores da Rua General Titan

Às vezes a gente subia na escada e ia lá para cima, aí ficava lá conversando. Ficava horas conversando. Eu tenho muita lembrança boa”. Foi sobre a escadaria de pedras, ao lado das paredes amareladas do “Farol Velho”, como é carinhosamente chamado o Farol do Mucuripe pelos moradores do Serviluz, que Rosimeire Alves viveu bons momentos de sua vida. A construção atualmente bastante deteriorada tem sua história compartilhada pela população local e resiste à ação natural do tempo e ao descaso.


Projetado com objetivos militares para evitar invasões estrangeiras, o Farol foi erguido com ferro, alvenaria e madeira, tendo a construção terminada em 1846. No ano de 1982, o lugar passou a abrigar o Museu do Jangadeiro que viria a ser desativado alguns anos mais tarde. Em 1983, o Farol foi tombado pela Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria de Cultura, porém, atualmente não recebe ações de manutenção.

 

INTERVENÇÕES


Por conta da falta de reparos no Farol por iniciativa pública, a própria comunidade do Serviluz se une para promover ações de limpeza no entorno do equipamento, além de intervenções culturais como exibição de filmes. Apesar de ser tombado pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Ceará (Secult) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o prédio do Farol pertence à Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Qualquer projeto de intervenção para o equipamento precisa passar por esses órgãos. 

O arquiteto Alexandre Veras, da Coordenadoria de Patrimônio Histórico e Cultural
(Copahc) da Secult, avalia que o prédio demanda reparos profundos. “O edifício está
num estado deplorável de manutenção. Tem uma escada de metal no meio que tá
completamente comprometida. As instalações elétricas inexistem”, afirma.

 

Sobre o risco de desabamento, Alexandre pondera que apenas uma inspeção técnica poderia dar o parecer sobre o assunto. “A degradação acontece, mas está sendo paulatina, devagar, devido a esse esmero do edifício ter sido construído com tanta robustez”, diz o arquiteto lembrando que o prédio projetado dentro dos padrões de qualidade militar apresenta uma estrutura arrojada. 

Ainda de acordo com Alexandre, em 2018 uma proposta de intervenção no Farol elaborado pela Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf) chegou até a Secult para avaliação mas foi reprovada por conta de ajustes necessários no desenho do projeto, devendo passar por revisão. Além disso, na Secretaria do Turismo do Ceará (Setur) está em andamento a requisição para aquisição do Farol do Mucuripe à SPU de modo que a restauração do prédio, ainda em fase de idealização, seja  facilitada.

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